A crônica do beijo
Há quem se considere especialista em matéria de beijo. Nós, simples aprendizes, concordamos que o beijo tem, sim, uma linguagem especial. O primeiro, por exemplo, pode até ser rapidinho, como acontece entre iniciantes, ou tão demorado que parece quase místico e eterno. E inesquecível será sempre, talvez pela surpresa. E que surpresa seria melhor que essa?
Quem entende do assunto faz questão de ensinar que o maior pecado é fazer do beijo rotina e obrigação, pois aí ele perde o sabor e o sentido. Melhor passar uma semana sem beijos do que receber ou dar sete sem gosto e sem prazer, só para cumprir um dever. Beijo não é coisa para desperdiçar.
Mais que qualquer outro gesto de carinho, o beijo tem sua própria linguagem. Ele fala, confidencia e revela. Mesmo quando esconde ou negaceia, para um bom intérprete será cristalino, transparente e discursivo. Mas só é bom intérprete quem se entrega inteiro ao desejo de compreender o que ele diz.
Comecemos pelo mais simples e, quase sempre, mais rápido: o beijo na testa.
Se a menina esperava experimentar o gosto e o toque dos lábios e você dá um beijo na testa, ela vai se sentir frustrada, ainda que ligeiramente. O beijo na testa, sinal de amizade, diz que o carinha gosta dela como pessoa e quer estar por perto. É um sinal de amizade, mas não necessariamente de amor. O primeiro passo do ritual. E o segundo tempo pode trazer grandes surpresas.
Outro beijo de amigo, que vai se tornando mais banal a cada dia, pois até os estranhos já o adotam, quando são apresentados a alguém, é o beijinho rápido no rosto. Tão rápido, em certos casos, que o toque nem chega a acontecer. Antes, era carinho. Hoje, devido ao excesso, virou simples cumprimento entre pessoas educadas e que não têm motivos para se odiar.
Entretanto, se o beijinho no rosto desliza ligeiramente para os lábios, por desejo ou acidente, é sinal de fumaça: alguma brasa está ardendo por baixo dessa camada de sociabilidade. Se você estiver a fim de soprar, poderá acender o fogo.
Boas histórias começaram assim, para quem soube entender o que diz esse termômetro quase casual.
A meninada anda explorando muito o chamado "selinho relâmpago", que já conquistou até o status de inocente, pelo menos entre os mais jovens. Sela-se tudo, a qualquer momento e a qualquer pretexto. Um gol do Atlético, por sua raridade, merece uma sucessão de selinhos. Entretanto, se o selinho vem acompanhado de forte abraço, em lugar de selar pode ser a senha de acesso que abre outras portas.
Curto e superficial ou longo e explorador de segredos, o beijo é a véspera da paixão e o melhor companheiro do amor.
Ao contrário das palavras, que servem tanto para revelar verdades quanto dizer mentiras, o beijo não engana, ainda que um beijo bíblico na face tenha se tornado símbolo eterno da traição.
Pessoas que adoram beijar são habitualmente seguras de si e mais descontraídas que a maioria. Elas estão no mundo com a missão de desarmar os tímidos e acordar os sonolentos para a vida.
Quem não dá ou recebe ao menos um por dia está deixando a vida escorrer entre os dedos, sem experimentar o gosto que ela tem. E desperdiça um vasto cardápio de sabores e significados.
(Fonte: Tião Martins)