À espera do futuro

11/11/2011 20:52

    Mais lúcidos que a maioria de nós, nem por isso os filósofos têm o dom da profecia ou adivinhação. Na realidade, muitos limitaram a apostar na esperança - como qualquer mortal comum - e desenharam o futuro que lhes parecia mais desejável, humano e racional.

    Acontece que "humano" e "racional" são adjetivos que raramente combinam com a fúria da nossa espécie, como demonstraram as carnificinas do século XX e os bombardeios deste nosso século XXI, que vai trilhando o mesmo caminho e tropeçando nas mesmas aventuras bélicas do mais remoto passado.

    Onde está a razão, afinal? E o humano?

    Um dia desses, cansado de encontrar aqui sucessivas e desagradáveis referências à espécie humana, um leitor atento perguntou se ainda existe a esperança de que falaram os grandes pensadores ou se estamos definitivamente perdidos e nossa única saída é a guerra e a destruição.

    Foi direto ao alvo, o leitor.

    Nossa grande virtude, como espécie, é ter inventado a esperança, por oposição à realidade esmagadora de mil anos de decepções.

Esperança de progresso, de paz, de crescimento e de saudável equilíbrio entre povos, religiões, ideologias e projetos nacionais ou pessoais. Esperança, enfim, de nos tornarmos tão humanos quanto fomos ensinados a ser pelos melhores filósofos de cada século.

    Essa cultura humanística - fundada na ética, na moral e no conceito de justiça e solidariedade - foi uma criação tardia e, de tempos em tempos, é substituída pela exibição da mais cega selvageria. Mas, ainda assim, preservamos a esperança de que os próximos anos tragam a Idade de Ouro da confraternização universal.

    Se é que as guerras podem conter promessas, a I Guerra Mundial prometida ser a última, por mobilizar a maior máquina de destruição que o planeta já vira. Era a guerra para acabar com todas as guerras, dizia-se. Entretanto, poucos anos depois teríamos outra, ainda mais destrutiva. E essa também continha a esperança da paz duradoura, embora os aliados já sem inimigos antes mesmo de comemorarem a vitória.

    Aliás, já é tempo de reescrevermos esses fatos, eliminando da História, para sempre, qualquer referência às "vitórias" de uns países sobre outros.

    Como falar de vitória após conflitos que já duram um século e produziram a morte de milhões de africanos, europeus e asiáticos, em dezenas de países? Quantas vitórias como essas ainda teremos que engolir, antes de atingirmos a paz, único objetivo que interessa ao futuro?

    A trajetória humana - feita de ambição, sede de poder e desejo de dominação - deveria nos conduzir à total desesperança e ao mais absoluto ceticismo quanto à nossa capacidade de conviver pacificamente com os sonhos, desejos e crenças dos nossos vizinhos.

    Entretanto, nosso perfil de animais teimosos, renitentes, agressivos e irracionais - tanto na vida privada quanto nas relações entre os povos - conserva pelo menos uma virtude: a esperança. Os filósofos que, em todos os tempos, compartilharam ideias e sonhos com seus semelhantes, foram motivados por esse sentimento.

Mas a esperança não faz mágica, nem milagre. E o futuro, individual ou coletivo, não acontece por acaso. É preciso cultivar outro modelo de convivência, raro e precioso. E cuidar dele com sensibilidade, persistência, confiança, entrega, habilidade e amor.

Se não for assim, colheremos sempre os frutos amargos da nossa idiotice.

 

(Fonte: Tião Martins)